O corpo balançava ao ritmo do vento. Os pés roçavam de leve no tapete, às vezes, esbarrava num copo e derramava um último gole. Os dedos pareciam desenhar linhas, círculos. Alguma pintura abstrata tomava forma. Durava apenas um instante, o calor logo evaporava aquela tinta singular. Apenas o cheiro indicaria a forma. O quadro tinha vontade de existir, procurando outro meio de expressar, encontrou o sangue. Gotículas pingavam da língua mordida, escorriam pelo corpo em linhas trêmulas. Escreviam no tapete, no chão - algo belo - difícil de reproduzir: uma carta de suicídio.
sexta-feira, 18 de março de 2011
domingo, 11 de outubro de 2009
O Campo
Caminhando pelo campo é comum deparar-se com diversas flores, contudo nenhuma chama tanta atenção como a rosa, crescendo sozinha acima das outras rubra incandescente. Todos são enganados pelo seu afrodisíaco aroma. As outras flores veem indignadas aquela vermelhidão, como o sangue que corre nas veias dos Homens. Homens que as pisoteiam sem lhes olhar nem de soslaio. Tentam, inutilmente, tornar suas cores e aromas em superlativos: azulíssimo, azedíssimo, amarelíssimo, docíssimo... Tristíssimas tentativas.
Resolutas as pernas caminham até a rosa belíssima. Ali parados, os olhos ressecados apreciam: as pétalas vermelhas sobrepostas uma ao lado da outra, umidecidas pelo orvalho, o orifício apertado no meio, os espinhos eretos e rijos. Indescritível é a sensação diante do objeto de desejo. As mãos tocam as pétalas molhadas e são penetradas pelos grandes espinhos. O sangue escorre para dentro do orifício negro. A boca solta um suspiro longo e dolorido. A rosa cobrou seu preço pelo oferecido, mas o corpo não se satisfaz. De súbito, mãos agarram o caule e puxam com brutal violência. As raízes se desprendem do solo, tentando agarrar cada grão de terra. O sangue escorre pela rosa, pelas mãos. As pernas caminham para longe dali, no entanto antes de alcançar o descampado o corpo não sente o suspiro, não sente a dor. A rosa secou, o sangue todo escorrera, agora estava branca, preta. As mãos soltaram e com um baque surdo a rosa caiu no solo.
As flores olhavam de cima para baixo, reparando a secura que outrora foi o esplendor do campo. Ali assistiram o risco da indiferença, do desejo, da vontade. Sem raízes nada somos. Os olhos, as pernas, as mãos, o corpo não se satisfazem, rapidamente almejam, possuem e destroem. Porém de que vale nossas cores e aromas se não pudermos ser tocadas e bebermos do sangue dos Homens. A rosa teve o que nenhuma de nós jamais terá. Logo crescerá outra, única como sempre, acima de nós, pois nesse campo de aromas e cores tão diferentes tornamo-nos homogêneas.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
O desejo rói minhas entranhas. Aqueles gafanhotos - essas pragas - sufocam meu Amor, mastigando cada ternura que dele sai. As palavras escapam feito moscas e revoam a carne morta da Tristeza. Essa entende cada agonia, cada desespero de viver.
Às vezes, são tantos os gafanhotos a se alimentar do meu amor que os vomito como Rancor. Cheio de cicatrizes, fedido e amorfo. Ali, revirando-se na pocilga, rapidamente, o engulo. -Sim, pois dele nascerá o Ódio que destruirá todas as pragas, tamanha sua violência. Nele me certifico de meus desejos.
quinta-feira, 26 de junho de 2008
As ripas de madeira cercam meu túmulo. Os vermes formam um câncer, enquanto devoram minha carne, mexendo e remexendo meus órgãos podres. Os ratos me visitam, fazendo cócegas em meus dedos sujos de terra, encontrando de baixo das unhas, carne fresca. Minha boca vomita podridão, soltando miasmas. O pouco que resta são meus olhos dilatados, que assistem imóveis meu corpo dilacerado virar adubo.